sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

De alma leve

Há alguns anos atrás, li uma crônica de uma jornalista que falava sobre a preocupação excessiva que as pessoas tinham com seu corpo, com seu peso, e, assim seguiam a vida esquecidas do peso de suas almas. Eram pessoas magras e pesadas.

Adorei o modo como ela pensou essa questão e, baseado naquele texto, escrevi uma história.
O grande problema é que não me lembro mais quem era essa jornalista. Já pesquisei e não encontrei mais o texto dela que deu origem a essa história.
Então, faço um apelo:  Caso alguém saiba, escrevam, assim registrarei aqui seu nome, pois essa história nasceu da ideia dessa profissional, que iluminou meu coração.

De Alma Leve


Era uma vez... há muitos e muitos anos atrás, ou será muitos e muitos anos à frente? Bem, não importa. O fato é que nesse lugar, as pessoas tinham uma relação interessante com a morte, e, por isso, cuidavam da vida de uma forma peculiar.
  Todos nessa cidade importavam-se com o seu peso. Não, não era o peso de seu corpo, era o peso de sua alma. Cuidar do corpo era ótimo, mas os quilos da alma pesavam mais que os do corpo, e, o pior...por não serem visíveis, eram facilmente esquecidos. 




Sabemos que muitos quilos a mais no corpo colaboram para uma lista de problemas: diabetes, pressão alta, problemas de circulação, problemas de locomoção, doenças cardíacas, vontade de se esconder, desejo de eliminar os espelhos, dificuldade de se vestir com algo que goste, dependência, problemas de encaixe, vergonha.
  No entanto, por mais que uma atitude de enxugar esses pesos dependesse de uma decisão disciplinada, todos sabiam por onde começar (as vezes o peso da alma adiava essa decisão) e quem tinha esse excesso de peso via-se claramente assim pelos seus próprios olhos e pelos olhos dos outros.




Já o excesso de peso na alma, essa gordura invisível, trazia desafios muito maiores, desafios que dificultavam a vida em todas as áreas. Desânimo, descrença, desconfiança, insatisfação geral (consigo, com os outros, com o mundo), irritação, grosseria, intolerância, ansiedade.
Para eles, o desafio não era emagrecer o corpo. O desafio era emagrecer a alma. Aliás, não faltava carboidratos para fazer a alma ganhar quilos: estresse, competitividade, relações pessoais desgastantes, problemas financeiros. E rapidamente, as pessoas, sem perceber, viravam seres pesados. Seres que ninguém queria por perto. Pessoas difíceis de conviver.

Os pesados na alma não conseguiam enxergar os milagres da vida, não sabiam lidar com imprevistos, não aceitavam os nãos que a vida dá, reclamavam de tudo, viviam arrastados, entediados. Todo e qualquer desafio que a vida apresentava, aparecia como um tormento, um obstáculo intransponivel, e, qualquer ajuda era contestada e os olhos só viam o que havia de negativo nas situações... Até o que poderia ser visto como benefício, acabava sendo encarado como prejuízo. E viviam sem esperança. A esperança se alimenta de pequenas coisas, nas pequenas coisas ela floresce. Os olhos dos pesados de alma não conseguiam enxergar nem as grandes coisas... muito menos as pequenas.


Essa preocupação com o peso de suas almas tinha relação direta com o que acreditavam encontrar no céu, mas, eu digo agora à vocês, que também tinha a ver com o desejo de serem felizes.
  Não era possível ser feliz com uma alma pesada. 




A questão era que os habitantes dessa cidade acreditavam que, na longa viagem que os mortos enfrentariam até chegar ao seu destino no céu, seriam obrigados a participar de um ritual chamado pesagem da alma. Na cerimônia, a alma da pessoa fazia sua defesa e se declarava inocente de vários pecados. Mas, em seguida, passava por uma prova: seu coração, considerado a sede da consciência, era colocado numa balança. Se pesasse mais que uma pluma, a alma estaria condenada a uma série de castigos, podendo até ser devorada por um monstro. Já as almas leves, em paz com a consciência, tinham a chance de seguir seu caminho, podendo atingir o paraíso.




 Para se ter almas leves ao chegar no paraíso, todos procuravam conjugar diariamente o verbo DESCOMPLICAR.
  Tinham que aprender a exigir menos, viver com menos, deixar por menos, enfim, SIMPLIFICAR.
  Percebiam que o grande antídoto contra o peso da alma era a diminuição do perfeccionismo, aceitar o que chega sem querer controlar tudo.
Aceitar-se. Ficar contente em ser amoroso, dar conta de algumas tarefas (não precisa ser todas), e aqui até a estética entrava no pacote. 




Para as pessoas desse lugar, cuidar do corpo também era uma tarefa, mas a prioridade, sem dúvida nenhuma, era o cuidado com o espírito.
Para cuidar do espírito, o interesse de todos não estava em ser bem sucedido financeiramente. Ricos nessa cidade, não eram aqueles que tinham mansões, cofres cheios de dinheiro, carros importados, roupas da moda. Ricos eram os que tinham histórias para contar, palavras de conforto, situações que faziam rir, momentos que emocionavam, que aproximavam, os bem sucedidos eram os ricos em sonhos. E o mais curioso, era que essas pessoas não precisavam gastar dinheiro com botox, lipoaspiração, roupas chiques... elas tinham uma beleza e uma jovialidade que pareciam ser pra sempre... Quem era rico em sonhos não envelhecia.


Mas... como tudo muda... para pior ou para melhor... dependendo do nosso cuidado. Algo muito preocupante começou a acontecer nessa cidade. A tecnologia teve um avanço enorme, veio para facilitar, veio para aproximar as pessoas, veio para a evolução. Mas, veio carregada de seduções: relacionamentos rápidos, imediatismo,  beleza, perfeição, trouxe junto a dependência. Tudo que escraviza, que tira a liberdade, aliena, tira a visão clara do rumo que cada um deveria tomar: do cuidado com o peso da alma.

O olhar voltou-se para o corpo, para o poder que ele traz. Corpo fala de poder, poder de sedução, poder de força... Olha o que eu posso com esse corpo! E a alma foi ficando esquecida...



Pois é... Essa civilização ainda vive... É a SUA civilização.
 E ela ainda pode retomar seus antigos ideais, porque VOCÊ faz parte dela.

E aí? Vai querer ter a alma leve?



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