sábado, 8 de fevereiro de 2014

A história de uma folha - Léo Buscaglia





A primavera passou. E o verão também.
Era uma vez uma folha, que crescera muito. A parte intermediária era larga e forte, as
cinco pontas eram firmes e afiladas. Surgiu na primavera, como um pequeno broto num
galho grande, perto do topo de uma árvore alta. A folha estava cercada por centenas de
outras folhas, iguais a ela. Ou pelo menos assim parecia.
 Mas não demorou muito para que descobrisse que não havia duas folhas iguais, apesar
de estarem na mesma árvore.
Alfredo era a folha mais próxima. Mário era à folha a sua direita. Clara era a linda folha
por cima. Todos haviam crescido juntos. Aprenderam a dançar a brisa da primavera, a se
esquentar indolentemente ao Sol do verão, a se lavar na chuva fresca. Mas Daniel era seu
melhor amigo. Era a folha maior no galho e parecia que lá estava antes de qualquer outra.
A folha achava que Daniel era o mais sábio. Foi Daniel quem lhe contou que era parte de
 uma árvore. Foi Daniel quem explicou que estavam crescendo num parque público.
Foi Daniel quem revelou que a árvore tinha raízes fortes, escondidas na terra lá embaixo.
Foi Daniel quem falou dos passarinhos que vinham pousar no galho e cantar pela manhã.
 Foi Daniel quem contou sobre o sol, a lua, as estrelas e as estações.
Fred (Alfredo) adorava ser uma folha. Amava o seu galho, os amigos, o seu lugar bem
alto no céu, o vento que o sacudia, os raios de Sol que o esquentavam, a Lua que cobria
de sombras suaves. O verão fora excepcionalmente ameno. Os dias quentes e compridos
eram agradáveis, as noites suaves eram serenas e povoadas por sonhos. Muitas pessoas
 foram ao parque naquele verão. E sentavam sob as árvores. Daniel contou à folha que
proporcionar sombra era um dos propósitos das árvores.
- O que é um propósito? - Perguntou a folha.
- Uma razão para existir - respondeu Daniel - tornar as coisas mais agradáveis para os
outros é uma razão para existir. Proporcionar sombra aos velhinhos que procuram
escapar do calor de suas casas é uma razão para existir. Oferecer um lugar fresco onde
as crianças possam brincar.
Abanar com as nossas folhas as pessoas que vem fazer piqueniques, com suas toalhas
quadriculadas. Tudo isso são razões para existir. A folha tinha um encanto todo especial
pelos velhinhos.
Sentavam em silêncio na relva fresca, mal se mexiam. E quando conversavam era aos
sussurros, sobre os tempos passados. As crianças também eram divertidas, embora às
vezes abrissem buracos na casca da árvore ou nelas esculpissem seus nomes.
Mesmo assim era divertido observar as crianças.
- Mas o verão da folha não demorou a passar...
E chegou ao fim numa noite de outubro. A folha nunca sentira tanto frio. Todas as
outras folhas estremeceram com o frio. Ficaram todas cobertas por uma camada fina
de branco, que num instante se derreteu e deixou-as  encharcadas de orvalho,
faiscando ao Sol. Mais uma vez foi Daniel quem explicou que havia experimentado a
primeira geada, o sinal de que era outono e que o outono viria em breve.Quase que
 imediatamente, toda a árvore, mais do que isso, todo o parque, se transformou num
 esplendor de cores. Quase não restava qualquer folha verde.
Alfredo se tornou de um amarelo intenso. Mário adquiriu um laranja brilhante. Clara
virou de um vermelho ardente. Daniel estava púrpura. E a folha ficou vermelha,
 dourada e azul.
Todos estavam lindos. A folha e seus amigos converteram a árvore num arco-íris.
- Porque ficamos com cores diferentes, se estamos na mesma árvore?
...Perguntou a folha.
- Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes.
Recebemos o Sol de maneira diferente. Projetamos a sombra de maneira diferente.
Por que então não teríamos cores diferentes? Foi Daniel, como sempre, quem falou.
E Daniel contou ainda que aquela estação maravilhosa se chamava outono.
E um dia aconteceu uma coisa muito estranha. A mesma brisa que, no passado, os
fazia dançar começou a empurrar e puxar suas hastes, quase como se estivesse zangada.
Isso fez com que algumas folhas fossem arrancadas de seus galhos e levadas pela brisa,
 reviradas pelo ar, antes de caírem suavemente ao solo. Todas as folhas ficaram
assustadas.
O que está acontecendo?...perguntaram umas as outras, aos sussurros.
- É isso o que acontece no outono - explicou Daniel. É o momento em que as folhas
 mudam de casa. Algumas pessoas chamam a isso de morrer.
- E todos nós vamos morrer? perguntou a folha.
- Vamos sim, respondeu Daniel. - Tudo morre. Grande ou pequeno, fraco ou forte,
tudo morre.
Primeiro, cumprimos a nossa missão. Experimentamos o Sol e a Lua, o vento e a chuva.
Aprendemos a dançar e a rir. E depois morremos.
- Eu não vou morrer! - exclamou a folha, com determinação. - Você vai, Daniel?
- Vou, sim... quando chegar meu momento.
- E quando será isso?
- Ninguém sabe com certeza respondeu Daniel.
A folha notou que outras folhas continuavam a cair. E pensou: "deve ser o momento delas.
 Ela viu que algumas reagiam ao vento, outras simplesmente se entregavam e caiam
suavemente.
Não demorou muito
para que a árvore estivesse quase despida.
- Tenho medo de morrer - disse a folha a Daniel - não sei o que tem lá embaixo.
- Todos temos medo do que não conhecemos. Isso é natural - disse Daniel para anima-la.
- Mas você não teve medo quando a primavera se transformou em verão. E também não
teve medo quando o verão se transformou em outono. Eram mudanças naturais. Por que
deveria estar com medo da estação da morte?
- A árvore também morre? perguntou a folha.
- Algum dia vai morrer. Mas há uma coisa que é mais forte do que a árvore. É a vida.
Dura eternamente e somos todos uma parte da Vida.
- Para onde vamos quando morremos?
- Ninguém sabe com certeza. É o grande mistério.
- Voltaremos na primavera?
- Talvez não. Mas a vida voltará!.
- Então qual é a razão para tudo isso? - insistiu a folha - Por que viemos para cá, se no
fim teríamos de cair e morrer?
Daniel respondeu no seu jeito calmo de sempre: - Pelo sol e pela lua; pelos tempos felizes
que passamos  juntos; pela sombra; pelos velhinhos; pelas crianças; pelas estações.
Não é razão suficiente? Ao final daquela tarde, na claridade dourada do
crepúsculo, Daniel se foi. E caiu a flutuar.
Parecia sorrir enquanto caia – adeus por enquanto - disse ele à folha.
E, depois, a folha ficou sozinha, a única que restava em seu galho. A primeira neve caiu
na manhã seguinte. Era macia, branca e suave. Mas era muito fria. Quase não houve sol
naquele dia... e foi um dia curto. A folha se descobriu a perder a cor, a ficar cada vez
mais frágil. Havia sempre frio e a neve pesava sobre ela. E quando amanheceu veio o
vento que arrancou  a folha do seu galho. Não doeu. Ela sentiu que flutuava no ar,
muito serena.
E, quando caía, ela viu a árvore inteira pela primeira vez. Como era forte e firme!
Teve certeza de que a árvore viveria por muito tempo, compreendeu que fora parte de
 sua vida. E isso a deixou orgulhosa.
A folha pousou num monte de neve. Estava macio, até mesmo aconchegante.
Naquela nova posição, a folha estava mais confortável do que jamais se sentira. Ela
 fechou os olhos e adormeceu. Não sabia que a primavera se seguiria ao inverno,
que a neve se derreteria e viraria água. Não sabia que a folha que fora, seca e
aparentemente inútil, se juntaria coma água e serviria para tornar a árvore mais forte.
E, principalmente, não sabia que ali, na árvore e no solo, já havia planos para novas
folhas na primavera.
O começo...O recomeço ...



sábado, 1 de fevereiro de 2014

Tristeza aproxima?





Vejo na tristeza oportunidade.
É através dela que podemos nos ligar as pessoas. A tristeza do outro me convida a ficar junto. Aproxima. Aproxima eu do outro. Aproxima eu de mim mesma.
É impossível descrever como nos sentimos diante de uma situação tão dolorosa quanto a perda de um pai, de uma mãe, de um companheiro (a perda de um filho merece um texto a parte). A dor é tamanha que ultrapassa a alma e se torna física. Os olhos queimam em lágrimas e o coração parece comprimido dentro do peito.
Essa dor que pode ser do outro, torna se nossa. Olhamos aquela situação e imediatamente pensamos: E quando for meu pai? Meu companheiro? Minha mãe?
Não importa quem somos, vai ser inevitável ter de lidar com  alguma situação sofrida, em algum momento, seja o envelhecimento, uma doença, desilusão ou a morte de alguém que amamos.
Perder o rumo é bem comum em momentos como esses, e, por mais que seja claro e certo que a morte é inevitável, nos negamos pensar nisso, falar disso, preparar a  vida pra isso. Dá um medo olhar para essa possibilidade real, é como se a morte fosse acontecer mais rápido quando tratamos de ajeitar as coisas para quando ela acontecer.
 Não, não é um castigo. A morte é um dos caminhos que nos lembra do que realmente é importante na nossa vida.
Através dela podemos mudar, crescer, aprender.
Podemos aprender a viver melhor cada dia, aproveitar melhor as coisas simples e maravilhosas da vida .
Alguns conseguem aprender a amar sem medo de perder, porque a maior perda é a do amor que não demonstramos.
Podemos nos dar conta de que aqueles que amamos podem partir sem se despedir, mas em vez de sofrer pensando no dia que eles se forem, devemos aproveitar enquanto eles estão por perto.
Aprendemos que para tudo na vida existe um jeito, mesmo que não seja o jeito que queremos.
E de repente, tudo aquilo que parecia um problema, ao olhar para a morte, se transforma num detalhe… tão simples de lidar.
“A cada dia que vivo mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

Carlos Drummond de Andrade

Dor de um filho

Nada pior do que a dor de um filho. Nada mais tocante do que a sabedoria dele diante do sofrimento. Primeiro as perguntas:
_ To assustado o que é essa tal de cirurgia?
_ Vão medir a pressão? Mas eu já estou com pressao alta?
Falei que ele não iria ver nada. Iria dormir.
_ E se eu acordar no meio da cirurgia?
Junto com isso os agradecimentos:
_ Obrigado mãe, te amo.
A compreensão diante do não pode beber nada ainda:
_ Tá bom, que horas eu posso então?
As atitudes certas:
_ Mãe, enquanto você foi falar com a enfermeira eu fiz uma oração aqui.
E eu, vendo ele sentir   tanta dor, falei:
_ Filho você sabe que se eu pudesse eu pegaria toda essa dor sua pra mim. E brinquei fazendo um gesto, será que dá? Eu queria tanto...
E ele me responde:
_ Mas mãe, eu não ia deixar...

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Profissão: Pra quem tem coragem de respeitar o seu tempo.

(...)
Um conselho aos pais e aos adolescentes: não levem muito a sério esse ato de colocar a profissão naquele lugar terrível. Aceitem que é muito cedo para uma decisão tão grave. Considerem que é possível que vocês, daqui a um ou dois anos, mudem de idéia. Eu mudei de idéia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?

Em tudo isso o que causa a maior ansiedade não é nada sério: é aquela sensação boba que domina pais e filhos de que a vida é uma corrida e que é preciso sair correndo na frente para ganhar. Dá uma aflição danada ver os outros começando a corrida, enquanto a gente fica para trás.

Mas a vida não é uma corrida em linha reta. Quando se começa a correr na direção errada, quanto mais rápido for o corredor, mais longe ele ficará do ponto de chegada. Lembrem-se daquele maravilhoso aforismo de T. S. Eliot: "Num país de fugitivos os que andam na direção contrária parecem estar fugindo."

Assim, não se aflija. A vida é uma ciranda com muitos começos.

Coloque lá a profissão que você julgar a mais de acordo com o seu coração, sabendo que nada é definitivo. Nem o casamento. Nem a profissão. E nem a própria vida...

Rubem Alves

O Samurai e o mestre zen


O SAMURAI E O MESTRE ZEN
Certo dia, um Samurai, que era um guerreiro muito orgulhoso, veio ver um Mestre Zen. Embora fosse muito famoso, ao olhar o Mestre, sua beleza e o encanto daquele momento, o Samurai sentiu-se repentinamente inferior.
Ele então disse ao Mestre:
- "Por que estou me sentindo inferior? Apenas um momento atrás, tudo estava bem. Quando aqui entrei, subitamente me senti inferior e jamais me sentira assim antes. Encarei a morte muitas vezes, mas nunca experimentei medo algum. Por que estou me sentindo assustado agora?"
O Mestre falou:
- "Espere. Quando todos tiverem partido, responderei."
Durante todo o dia, pessoas chegavam para ver o Mestre, e o Samurai estava ficando mais e mais cansado de esperar. Ao anoitecer, quando o quarto estava vazio, o Samurai perguntou novamente:
- "Agora o senhor pode me responder por que me sinto inferior?"
O Mestre o levou para fora. Era uma noite de lua cheia e a lua estava justamente surgindo no horizonte. Ele disse:
- "Olhe para estas duas árvores: a árvore alta e a árvore pequena ao seu lado. Ambas estiveram juntas ao lado de minha janela durante anos e nunca houve problema algum. A árvore menor jamais disse à maior: 'Por que me sinto inferior diante de você?' Esta árvore é pequena e aquela é grande - este é o fato, e nunca ouvi sussurro algum sobre isso."
O Samurai então argumentou:
- "Isto se dá porque elas não podem se comparar." E o Mestre replicou:
- "Então não precisa me perguntar. Você sabe a resposta. Quando você não compara, toda a inferioridade e superioridade desaparecem. Você é o que é e simplesmente existe. Um pequeno arbusto ou uma grande e alta árvore, não importa, você é você mesmo. Uma folhinha da relva é tão necessária quanto a maior das estrelas. O canto de um pássaro é tão necessário quanto qualquer Buda, pois o mundo será menos rico se este canto desaparecer.
"Simplesmente olhe à sua volta. Tudo é necessário e tudo se encaixa. É uma unidade orgânica: ninguém é mais alto ou mais baixo, ninguém é superior ou inferior. Cada um é incomparavelmente único. Você é necessário e basta. Na Natureza, tamanho não é diferença. Tudo é expressão igual de vida!"

Coisas pequenas podem causar grandes prejuízos... Depende de como lidamos com elas.


O direito ao delírio - Eduardo Galeano




Tenho gratidão por encontrar pessoas que expressam em palavras simples o desejo de nossas almas. Eduardo Galeano conseguiu isso. 
Vamos delirar!

“Ainda que não possamos adivinhar o futuro, sim, temos ao menos o direito de imaginar como queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos; mas a imensa maioria da humanidade não tem mais do que o direito de ver, ouvir e calar. Que tal se começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal se delirarmos, um pouquinho? Vamos a fixar os olhos mais além da infâmia, para adivinhar outro mundo possível.
- O ar das ruas limpo de todo o veneno que não venha dos medos e das paixões humanas;
- Os carros sendo esmagados pelos cães;
- As pessoas não mais dirigidas pelos carros, nem programadas pelo computador, nem compradas por supermercados, nem também assistidas pela TV;
- A TV deixará de ser o membro mais importante da família e será tratada como um ferro de passar ou máquina de lavar roupa;
- Será incorporado aos códigos penais o crime de estupidez para aqueles que cometem: viver para ter ou para ganhar ao invés de viver para viver simplesmente, assim como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;
- Os historiadores não mais acreditarão que os países gostam de ser invadidos;
- Os políticos que os pobres adoram comer promessas;
- Ninguém viverá para trabalhar, mas todos trabalharão para viver;
- Os economistas não chamarão mais o nível de vida de nível de consumo e nem chamarão de qualidade de vida a quantidade de coisas acumuladas;
- Os cozinheiros não mais acreditarão que as lagostas amam ser fervidas vivas;
- A morte e o dinheiro perderão seus poderes mágicos e nem por falecimento e nem por fortuna um canalha se tornará um virtuoso cavalheiro;
- Ninguém levará a sério alguém que não seja capaz de tirar sarro de si mesmo;
- O mundo não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza e a indústria militar não terá escolha a não ser declarar falência;
- Nenhum país irá prender os rapazes que se recusarem a cumprir o serviço militar, mas aqueles que quiserem podem servi-lo;
- A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio porque a comida e a comunicação são direitos humanos;
- Ninguém morrerá de fome;
- As crianças de rua não serão mais tratadas como lixo, porque não haverá mais crianças de rua, as crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá mais crianças ricas;
- A educação não será privilégio daqueles que podem pagá-la;
- A polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la;
- A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas, serão novamente juntas de volta, bem grudadinhas, costas com costas;
- Na Argentina, as “Loucas de la Plaza de Mayo” serão um exemplo de saúde mental porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória;
- A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo, a igreja também ditará outro mandamento que Deus havia esquecido: “amaras a natureza da qual fazes parte”;
- Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma;
- Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles se desesperaram de tanto esperar e se perderam de tanto procurar;
- Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os tenham vontade de beleza e vontade de justiça, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido quando tenham vivido, sem se importarem nem um pouquinho com as fronteiras do mapa e ou do tempo,
- Seremos imperfeitos porque a perfeição continuará sendo um chato privilégio dos Deuses;
- Neste mundo trapalhão, seremos capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última.”
Eduardo Galeano

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A utopia e o caminhar


"A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

Eduardo Galeano

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

É urgente recuperar o sentido de urgência.




Gosto muito da Eliane Brum, quem não conhece eu recomendo. Nessa publicação ela nos leva a pensar e, quem sabe, até redefinir nossas prioridades e nosso modo de viver com o tempo.
Nós, que podemos ser acessados por celular ou internet 24 horas, sete dias por semana, estamos vivendo no tempo de quem?

Para vocês, Eliane Brum...


Dias atrás, Gabriel Prehn Britto, do blog Gabriel quer viajar, tuitou a seguinte frase: “Precisamos redefinir, com urgência, o significado de URGENTE”. “Urgente não é mais urgente. Não tem mais significado nenhum.” Ele se referia tanto ao urgente usado para anunciar notícias nada urgentes nos sites e nas redes sociais, quanto ao urgente que invade nosso cotidiano, na forma de demanda tanto da vida pessoal quanto da profissional. Depois disso, Gabriel passou a postar uns “tuítes” provocativos, do tipo: “Urgente! Acordei” ou “Urgente: hoje é sexta-feira”.  
A provocação é muito precisa. Se há algo que se perdeu nessa época em que a tecnologia tornou possível a todos alcançarem todos, a qualquer tempo, é o conceito de urgência. Vivemos ao mesmo tempo o privilégio e a maldição de experimentarmos uma transformação radical e muito, muito rápida em nosso ser/estar no mundo, com grande impacto na nossa relação com todos os outros. Como tudo o que é novo, é previsível que nos atrapalhemos. E nos lambuzemos um pouco, ou até bastante. Nessa nova configuração, parece necessário resgatarmos alguns conceitos, para que o nosso tempo não seja devorado por banalidades como se fosse matéria ordinária. E talvez o mais urgente desses conceitos seja mesmo o da urgência. 
Estamos vivendo como se tudo fosse urgente. Urgente o suficiente para acessar alguém. E para exigir desse alguém uma resposta imediata. Como se o tempo do “outro” fosse, por direito, também o “meu” tempo. Esse se apossar do tempo do outro pode ser compreendido como uma violência. Mas até certo ponto consensual, na medida em que este que é alcançado se abre/oferece para ser invadido. Torna-se, ao se colocar no modo “online”, um tempo à disposição. Mas exige o mesmo do outro – e retribui a possessão. Olho por olho, dente por dente. Tempo por tempo.  
Como muitos, tenho tentado descobrir qual é a minha medida e quais são os meus limites nessa nova configuração. E passo a contar aqui um pouco desse percurso no cotidiano, assim como do trilhado por outras pessoas, para que o questionamento fique mais claro. Descobri logo que, para mim, o celular é insuportável. Não é possível ser alcançada por qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Estou lendo um livro e, de repente, o mundo me invade, em geral com irrelevâncias, quando não com telemarketing. Estou escrevendo e alguém liga para me perguntar algo que poderia ter descoberto sozinho no Google, mas achou mais fácil me ligar, já que bastava apertar uma tecla do próprio celular. Trabalhei como uma camela e, no meu momento de folga, alguém resolve me acessar para falar de trabalho, obedecendo às suas próprias necessidades, sem dar a mínima para as minhas. Não, mas não mesmo. Não há chance de eu estar acessível – e disponível – 24 horas por sete dias, semana após semana.
Precisamos encontrar um jeito de usar a tecnologia sem ser usada por ela. 
O interessante é que quem não adota a tecnologia como todos, é mal visto. Como assim eu não posso falar com você na hora que eu quiser? Como assim o seu tempo não é um pouco meu? E se eu precisar falar com você com urgência? Se for urgência real – e quase nunca é – há outras formas de me alcançar.  
Percebi também que, em geral, as pessoas sentem não só uma obrigação de estar disponíveis, mas também um gozo. Talvez mais gozo do que obrigação. É o que explica a cena corriqueira de ver as pessoas atendendo o celular nos lugares mais absurdos (inclusive no banheiro...). Nem vou falar de cinema, que aí deveria ser caso de polícia. Mas em aulas de todos os tipos, em restaurantes e bares, em encontros íntimos ou mesmo profissionais. É o gozo de se considerar imprescindível. Como se o mundo e todos os outros não conseguissem viver sem sua onipresença. Se não atenderem o celular, se não forem encontradas de imediato, se não derem uma resposta imediata, catástrofes poderão acontecer.  
O celular ligado funciona como uma autoafirmação de importância. Tipo: o mundo (a empresa/a família/ o namorado/ o filho/ a esposa/ a empregada/ o patrão/os funcionários etc) não sobrevive sem mim. A pessoa se estressa, reclama do assédio, mas não desliga o celular por nada. Desligar o celular e descobrir que o planeta continua girando pode ser um risco maior. Nesse sentido, e sem nenhuma ironia, é comovente.  
Por outro lado, é um tanto egoísta, já que a pessoa não se coloca por inteiro onde está, numa aula ou no trabalho ou mesmo em casa – nem se dedica por inteiro àquele com quem escolheu estar, num encontro íntimo ou profissional. Está lá – mas apenas parcialmente. Não há como não ter efeito sobre o momento – e sobre o resultado. A pessoa está parcialmente com alguém ou naquela atividade específica, mas também está parcialmente consigo mesma. Ao manter o celular ligado, você pertence ao mundo, a todo mundo e a qualquer um – mas talvez não a si mesmo.  
Me parece descortês alguém estar comigo num restaurante, por exemplo, e interromper a conversa e a comida para atender o celular.. Será que isso é realmente necessário? Será que uma pessoa não pode se ausentar, ficar incomunicável, por algumas horas? Será que temos o direito de invadir o tempo dos outros direta ou indiretamente? Será que há tantas urgências assim? Como é que trabalhávamos e amávamos antes, então? 

Bem, eu não sou imprescindível a todo mundo e tenho certeza de que os dias nascem e morrem sem mim. As emergências reais são poucas, ainda bem, e para estas há forma de me encontrar.
Minha principal forma de comunicação é hoje o e-mail, porque sou eu que escolho a hora de acessá-lo. E, ao procurar alguém, seja por motivo profissional ou pessoal, tenho certeza de não estar invadindo seu cotidiano em hora imprópria. E desligo o computador antes de dormir, como gesto simbólico que diz: fechei a porta.  
É um momento histórico bem estratégico de redefinição de limites, de territórios e também de conceitos. Que tipo de efeito terá sobre as novas gerações a ideia de que não há limites para alcançar, ocupar e consumir o tempo dos pais e amigos e mesmo de desconhecidos? Assim como não há limites para ter o próprio tempo alcançado, ocupado e consumido? 

Ainda acho que o gozo de ser imprescindível a quase todos os outros – no sentido de não poder se ausentar ou se calar – e também de ser onipotente – no sentido de alcançar, a qualquer hora, o tempo de todos os outros – é maior do que o incômodo. Mas talvez só aparentemente, na medida em que é possível que não estejamos conseguindo avaliar o estrago que esses tempos violáveis e violados possam estar causando na nossa subjetividade – e mesmo na nossa capacidade criativa e criadora.  
A grande perda é que, ao se considerar tudo urgente, nada mais é urgente. Perde-se o sentido do que é prioritário em todas as dimensões do cotidiano. E viver é, de certo modo, um constante interrogar-se sobre o que é importante para cada um. Ou, dito de outro modo, uma constante interrogação sobre para quem e para o quê damos nosso tempo, já que tempo não é dinheiro, mas algo tremendamente mais valioso. Como disse o professor Antonio Candido, “tempo é o tecido das nossas vidas”.  

 Falamos e ouvimos muito, mas de fato não sabemos se dizemos algo e se escutamos algo. Ou se é apenas ruído para preencher um vazio que não pode ser preenchido dessa maneira. 

Será que não é este o nosso mal-estar? 
Viver no tempo do outro – de todos e de qualquer um – é uma tragédia contemporânea.  

(Trechos do texto escrito pela jprnalista Eliane Brum, para lê-lo na íntegra acesse: http://revistaepoca.globo.com//Sociedade/eliane-brum/noticia/2013/04/e-urgente-recuperar-o-sentido-de-urgencia.html )

sábado, 18 de janeiro de 2014

Sem esforço, sem sabor.







Um Mestre Sufi contava sempre uma parábola no final de cada aula, mas os alunos nem sempre entendiam o seu significado.
- Mestre, - perguntou um deles, certo dia - tu contas-nos contos mas nunca nos explicas o que significam.
- As minhas desculpas. - disse o Mestre - Como compensação, deixa-me que te ofereça um belo pêssego.
- Obrigado, Mestre - disse o discípulo, comovido.
- Mais ainda: como prova do meu afecto, queria descascar-te o pêssego. Permites que o faça?
- Sim, muito obrigado. - disse o discípulo.
- E, já que tenho a faca na mão, não gostarias que eu cortasse o pêssego em pedaços, para que te seja mais fácil comê-lo?
- Sim, mas não quero abusar da tua generosidade, Mestre...
- Não é um abuso; sou eu que me estou a oferecer. Quero apenas agradar-te. Permite-me também que mastigue o pêssego antes de to oferecer...
- Não, Mestre! Não gostaria que fizesses isso! - queixou-se o discípulo, surpreendido.
O Mestre fez uma pausa e disse:
- Se vos explicasse o sentido de cada conto, seria como dar-vos de comer fruta mastigada.